1 de março de 2016

Vida além do seu laboratório de pesquisa - à procura de oportunidades

Reflexão sobre como 'sobreviver' numa época em que ter um doutorado não é mais considerado uma vantagem competitiva

Recentemente li uma matéria pelos principais jornais Canadenses dizendo que os jovens da minha geração (25 até 40 anos) são os mais ricos comparados com as gerações anteriores quando tinham essa idade. É um fato difícil de compreender sendo uma aluna de pós-graduação (até hoje). Acredito que uma das maiores dificuldades que passamos ao escolher o caminho do mestrado-doutorado é o fato de termos que nos conformar que vamos demorar mais tempo para construir nossas vidas (infelizmente, isso é não é necessariamente uma regra mas é o caso da maioria).


Apesar dessa matéria, a cada dia que passa, sinto que meus colegas que terminaram doutorado recentemente mal conseguem uma vaga de pós-doc. Como é possível pensar em construir uma família e comprar uma casa se a perspectiva de emprego é tão pequena? Na época que minha mãe fez seu doutorado há 15 anos atrás, fazer um pós-doc era algo tão especial que apenas algumas pessoas, professores concursados das universidades federais, conseguiam bolsa ou tempo.

Hoje em dia, seja aqui no Canadá ou no Brasil, muitos que terminam doutorado vêem como única opção de emprego um pós-doc e olhe lá! A verdade é que o mundo da ciência e tecnologia está em crise em grande parte do mundo - não estou dizendo que não está tendo investimento, estou dizendo que os investimentos estão no melhor dos casos estagnados. Isso não parece ser ruim, mas lembre-se que a cada ano que passa mais e mais pessoas terminam seu mestrado e doutorado, e a indústria não consegue absorver toda essa mão de obra. Aliás, grande parte da indústria pensa que quem tem doutorado é superqualificado e eles não querem mão de obra cara. São pouquíssimos os países que não possuem essa mentalidade, como os EUA e Alemanha. O dinheiro investido em ciência e tecnologia continua o mesmo aqui no Canadá e é dessa fonte que os professores tiram dinheiro para contratar novos alunos pós-doc. Se a fonte de dinheiro ou a demanda é a mesma mas a oferta aumenta, é uma simples lei de demanda e oferta.

Aliás, por que gastar quase o dobro em contratar um PhD se podem contratar alguém menos experiente por metade do preço (ou seja um aluno de mestrado ou doutorado)? Para quem não sabe, o Canadá não vê o pos-doc como um bolsista como o Brasil, eles tem um sindicato (chamado Cupe), seguro saúde e um salário razoável.  Razoável, não justo. Para uma pessoa com PhD e anos de experiência com pesquisa acadêmica, um pós-doc na minha opinião é uma pessoa bem qualificada para seu trabalho. Mas seu salário gira em torno dos CAD$50 mil por ano no melhor dos casos, e o pior é que a vaga não é permanente. Ou seja, depois de uns anos o bicho vai pegar...

Nem vou falar em seguir vida acadêmica.. No Brasil, não estamos tendo concursos.. No Canadá ou Estados Unidos você só tem chances de conseguir uma vaga de professor (sem opção de ONDE você quer ir morar, lembre-se que a oferta é maior que a demanda) se tiver mais de umas 15 publicações e tipicamente no mínimo uma na Nature ou Science. Ou seja, se quiser seguir carreira acadêmica, você praticamente pensa em carreira acadêmica desde o ensino médio.

Resumindo: a maioria dos novos PhDs e doutores possuem um título que hoje não vale mais a mesma coisa que 5 anos atrás, não tem 20 ou mais publicações e está procurando emprego... A verdade é que a vida acadêmica é para poucos. Já vi matéria dizendo que menos de 20% daqueles que terminam um doutorado se tornam professores. O que será que acontece com a maioria? Muitas de fato mudam completamente de área! Outros vão trabalhar pro governo, como os centros de pesquisa ou fiscalização, e vários vão pra indústria. O que eu quero saber é COMO! Não é simples como mandar um currículo ou ter contatos.

Para mim, eu acredito que algo nos fez ficar tanto tempo na área da pesquisa. Para terminar um doutorado, você precisa gostar da pesquisa. Eu adoro a pesquisa, adoro saber o porque disso ou daquilo, e amo aprender coisas novas. Vejo que muitos dos meus colegas pensam assim. Mas como fazer disso um emprego ideal? Afinal das contas, quem estuda mais de 20 anos não pode simplesmente jogar isso fora e arrumar um trabalho que não exige que pense ou use a inteligência. Infelizmente, eu não tenho a resposta certa para essa pergunta e todos os dias penso à respeito disso. Uma coisa eu posso falar: procure e explore todas as oportunidades que tiver enquanto estiver estudando.

Comece a procurar hoje seu emprego ideal
Todo mundo que está prestes a terminar seu mestrado ou doutorado sempre escuta dos amigos, família e conhecidos: e agora, vai fazer o que? A resposta é quase sempre a mesma 'Não sei!' O pior é que isso é nossa própria culpa. Sempre falamos que vamos começar a procurar a próxima oportunidade ao mesmo tempo que estivermos terminando o curso. A lógica é 'para que procurar um emprego hoje se não vou poder aplicar para ele?' Acredito que essa não é a pergunta que devemos fazer. Imagine que no seu primeiro dia de mestrado ou doutorado, você já sabe o tipo de emprego que quer. Assim, você terá entre 1 a 5 anos para se preparar para seu emprego ideal. Você vai poder usar todo o tempo durante seu curso para desenvolver os 'skills' necessários e assim obter a experiência que precisar, seja num trabalho voluntário ou aprendendo uma nova língua de programação etc. Se você não souber o que quer fazer, não se preocupe! A maioria não sabe, mas mesmo assim, você pode começar a se preparar hoje mesmo. Não deixe passar sua defesa para se dar conta que você não se qualifica para emprego algum!

Pequena observação: não existe uma pessoa 'superqualificada'. Ao escrever seu currículo é essencial transferir seus skills para a indústria. Eles chamam isso de 'transferable skills'. É aquilo que a gente aprende na pós-graduação como: reportar ou publicar achados científicos ou seja comunicação, executar uma pesquisa de alto nível ou seja analisar, criar, planejar, etc. Hoje em dia não basta mais ter um mestrado, doutorado, pós-doc e publicações. Você precisa saber de mais coisas, aprender mais línguas, trabalhar e lutar mais. Digo aqui que acho que possuir um mestrado ou doutorado é uma experiência inigualável. Eu jamais vou me arrepender da época que fui estudante. É uma chance que temos para aprender a aprender! Antigamente, era raro um doutor ficar na mesma área de estudo. Isso por que quem faz um doutorado vira doutor em aprendizagem, é um ótimo auto-didata além de ter uma perseverança monstra! Para mim, esses são os skills mais valiosos que aprendemos durante a pós-graduação e que podemos usar em qualquer carreira.

Participe de clubes ou trabalhos voluntários
Uma das coisas mais difíceis que nos deparamos no dia-a-dia é o comodismo. Mesmo quem muda para outro país, muda toda sua vida e rotina, é suscetível a voltar ao comodismo. Enquanto estivermos dentro do nosso quadrado, jamais vamos fazer coisas extraordinárias. Acredito que todos nós sonhamos em fazer a diferença na vida de alguém, seja indiretamente ou diretamente. Só poderemos fazer isso saindo do nosso quadrado e nos colocando em situações estranhas e diversas. Assim, procure fazer algo que te incomode todos os dias. Participe de um novo grupo, comece um novo trabalho voluntário, comece a aprender uma coisa nova. É incrível como nos sentimos satisfeitos após superar o comodismo. Fico pensando como o ser-humano é surpreendente: mesmo sabendo que algo nos faz bem, a gente decide em não fazer e vamos procrastinando..

Faça cursos profissionalizantes (de comunicação, empreendedorismo, etc)
Esse tópico é uma versão mais profunda do anterior no sentido de fazer coisas novas. Uma das grandes vantagens de estudar fora é o leque de oportunidade que nos aguarda. Aqui no Canadá existem tantos e tantos cursos de graça para quem já é estudante. Existe um programa incrível que chama Mitacs. É uma parceira entre o governo, as universidades e indústrias. O grande objetivo deles é de ajudar os alunos de pós-graduação obterem os skills necessários para conseguir emprego na indústria. Eles possuem vários programas que oferecem workshops, bolsas para estudo e estágio, e de pós-doc. Os workshops são de comunicação, trabalhar em time, project management, preparação para apresentação, entre outros.

Outro tópico importante é o de empreendedorismo. O Canadá é um país muito aberto ao empreendedor. Existem tantas oportunidades para aqueles que possuem esse interesse. Já vi vários clubes para alunos empreendedores (vinculados à universidade), incubadoras, e até mesmo ajuda da prefeitura. Eles também sempre oferecem cursos para os estudantes.

Faça um estágio durante seu mestrado ou doutorado
Parece um sonho, mas é possível! Atualmente estou fazendo um estágio numa empresa que mexe com pesquisa voltada somente às células combustíveis para aplicação automobilística. Pensei que jamais seria uma realidade, mas é uma possibilidade que basta correr atrás! Vou sair do doutorado com experiência industrial, mesmo que de poucos meses, mas já ajuda!

Faça amigos em diversas áreas
Como diz o ditado 'me diga com quem andas, que te direi quem es'. Seja no Brasil ou no Canadá, você precisa ter contatos. Quanto mais contatos em diversas áreas, melhor. Para mim, essa é uma das partes que mais tenho dificuldade. Às vezes temos que ser cara de pau e nos apresentar para alguém e puxar assunto. Engraçado é que na maioria das vezes que fiz isso, fiz um novo amigo! Por mais que isso seja verdade, não facilita a próxima vez que eu tiver que sair do meu quadrado.

Enfim, é muito fácil ficar enfurnado dentro do laboratório durante seus anos de estudante. Mas meu conselho é de tentar aproveitar ao máximo seu tempo na universidade. Trabalhe dure sim, mas não deixe sua vida virar apenas seu trabalho de pesquisa. Procure pelas oportunidades diversas e plante seu jardim com seus skills diversos. Quem sabe isso não vai te ajudar a arrumar o emprego ideal no futuro?

Um comentário:

  1. Tenho duas considerações a fazer, a primeira aprendi com seu avô - quanto mais você sabe, mais você entende que tem muito mais para aprender. A segunda é minha experiência de vida, não existe emprego ideal, existe aquele que te desafia e que te faz feliz. No mais, você está só terminando mais uma etapa da vida maravilhosa que está por vir. Me orgulho muito de você, esteja sempre feliz e tenha fé. DH

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